quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Tudo em familia

Vital Moreira tem umas crónicas giras no Público e a de ontem, terça-feira, foi mesmo engraçada, lançado para o imaginário socialista uma série de dicas de argumentação:
  1. Todo o país, salvo a Madeira, anda em contenção;
  2. O buraco da Madeira é uma das razões por Passos Coelho ter sido “enigmático” quanto ao tal “desvio colossal” (não importa a VM a inexatidão da citação…);
  3. Houve “uma verdadeira conspiração de silêncio em relação ao desvario financeiro de Jardim”;
  4. O governo escondeu esta “informação durante várias semanas”.
Vital Moreira termina em grande com este parágrafo:
Imaginemos só que os protagonistas desta lamentável história eram respetivamente Carlos César e o Governos de Sócrates! Tudo é diferente quando as coisas se passam dentro da família política…
Tudo muito giro. Cavalgando a onda, factual, do desvairo financeiro que AAJ sistematicamente pratica com elevada arrogância, Vital Moreira, num passe de mágica, iliba os governos socialistas da sua qualidade de maiores financiadores da falta de vergonha na Madeira (lembram-se de Guterres e do perdão da dívida à Madeira?) e, em simultâneo, faz de conta que os Açores são mares de rosas.
Há o pequeno detalhe da falácia:
Transferências para  as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores Transferências para  as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores
Fonte: MF/DGO (republicado)
Acontece que José Sócrates e Carlos César são também os protagonistas desta lamentável história. O primeiro pelo aumento das transferências para a Madeira e para os Açores e o segundo por ter beneficiado de um aumento de 54% nas verbas transferidas. Mas lá está, dentro da mesma família política, tudo é diferente.
Para memória futura, aqui fica a crónica em questão.
Tudo em família
Vital Moreira – Público, 16-08-2011
Passos e o ministro das Finanças deixaram alimentar a ideia que o desvio na Madeira era uma herança do anterior Governo
Todo o País passa pelas agruras da austeridade financeira, pela dieta forçada dos serviços públicos e pelo aumento de impostos. Todo o País? Não, há um pequeno paraíso estranhamente imune aos sacrifícios coletivos e onde o regabofe do gasto público continua a ser alegremente alimentado com endividamento, obrigando o resto dos cidadãos nacionais a arcar com sobrecargas extras. Trata-se (não vale adivinhar à primeira…) da Madeira de Alberto João Jardim.
Compreende-se agora por que é que o Governo de Passo Coelho se tinha revelado tão enigmático na identificação do famoso “desvio colossal” nas finanças públicas. Afinal uma das fontes do tal desvio provém da Madeira, com um “buraco” de cerca de 280 milhões de euros, alimentado por endividamento correspondente acima dos limites estabelecidos.
Não se sabe que mais surpresa causa, se a revelação da incontinência orçamental da Madeira, se a prolongada sonegação dessa informação por parte do Governo de Lisboa, o qual, segundo o próprio líder regional madeirense, tinha sido informado da situação desde o início. Jardim veio dizer provocativamente que se recusou a cumprir as determinações do Governo anterior sobre os limites ao endividamento regional, aliás baseadas numa lei do orçamento aprovada pela Assembleia da República. O primeiro-ministro e o ministro das Finanças resolveram esconder a situação durante semanas, deixando alimentar a ideia que o desvio orçamental era uma herança do anterior Governo e só revelando o desvio madeirense no próprio dia em que foram anunciadas as medidas adicionais para o cobrir, traduzidas na antecipação da subida do IVA no gás e na eletricidade.
Consideremos o fundo da questão. A prodigalidade orçamental na Madeira vem desde o início da autonomia regional, tendo Jardim sempre feito gato-sapato da disciplina financeira, pressionando depois Lisboa no sentido do aumento das transferências do orçamento da República ou da cobertura de uma parte da dívida. Lamentavelmente, muitas vezes conseguiu.
O que mais surpreende nesta recorrente situação é que as regiões autónomas gozam de uma condição financeira invejável. Do lado das receitas próprias, recolhem todos os impostos cobrados ou gerados na região, sem nenhuma contribuição para as despesas gerais da República, exclusivamente a cargo dos contribuintes do continente. Do lado da despesa, os orçamentos regionais não cobrem a despesa pública com os onerosos serviços do Estado subsistentes nas regiões (como a justiça, a segurança e a defesa) e com vários programas de proteção social e outros de âmbito nacional, que também correm exclusivamente a cargo do Orçamento do Estado, apesar de este ser alimentado somente pelos contribuintes do continente.
Apesar dessa vantajosa assimetria, as regiões autónomas ainda beneficiam de volumosas transferências anuais do Orçamento do Estado, a título de compensação pelos “custos de insularidade”, apesar de muitos destes serem separadamente compensados por programas específicos, como sucede com os custos da convergência tarifária na eletricidade, suportados pelos consumidores continentais. Também estão a cargo do orçamento da República, e não dos orçamentos regionais, os fundos de assistência aos municípios e freguesias das regiões autónomas. Como se isso não bastasse, o orçamento da República ainda pode ser chamado a financiar os chamados investimentos de interesse nacional nas regiões autónomas, o que não passa de mais um veículo de transferência orçamental do Estado para as regiões.
Tudo isso poderia ser admissível como meio extraordinário de reparação pelo atraso histórico das regiões insulares e como instrumento de recuperação do seu desenvolvimento. Sucede, porém, que a Madeira dispõe desde há anos de um rendimento per capita bem acima da média nacional, sendo a segunda região mais rica a nível nacional, o que cria uma situação verdadeiramente insólita, que é a de ver as regiões mais pobres do continente a suportar os privilégios orçamentais de uma das mais abonadas do País.
Se a irresponsabilidade financeira da Madeira é inaceitável em condições normais, torna-se intolerável numa situação de aperto orçamental do País, quando os portugueses são chamados a realizar um exigente programa de ajuste financeiro, quer em aumento de impostos, quer em perda de direitos e regalias. Neste contexto, os desmandos de Jardim, continuando a gastar à tripa forra e a endividar-se acima de todos os limites, como se nenhum sacrifício lhe fosse imposto, pondo em causa a responsabilidade financeira externa da República, surge com uma verdadeira provocação, na medida em que exige sacrifícios adicionais dos residentes no resto do País, sobretudo os do continente (que, aliás, pagam impostos bem acima dos das regiões autónomas).
Para além do apuramento de responsabilidade por violação da legalidade orçamental, o governo regional da Madeira não deveria passar politicamente impune no plano nacional. Ora o que se verificou foi uma verdadeira conspiração de silêncio em relação ao desvario financeiro de Jardim. Depois de esconder a informação durante várias semanas, o Governo foi incapaz da mais leve censura pela inesperada dificuldade adicional trazida ao programa de restrição orçamental nacional e pelas medidas suplementares impostas aos portugueses. Continuando a sua tendência para ser loquaz naquilo que não é da sua competência e para nada dizer publicamente sobre aquilo que o é, o Presidente da República também preferiu observar um comprometedor silêncio.
Imaginemos só que os protagonistas desta lamentável história eram respetivamente Carlos César e o Governos de Sócrates! Tudo é diferente quando as coisas se passam dentro da família política...

In: Aventar

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