domingo, 19 de junho de 2011

Motivos para desconfiar do PSD-R

Uma das formas usadas pelos certificadores do governo para o legitimar antes do exercício tem sido referir uma “renovação” dos nomes que ocupam os cargos.
E até certo ponto é verdade — um alívio, pois não há nada melhor do que a verdade como ingrediente de qualquer cozinhado de imagem.

Este PSD-Renovado, cujas setas passaram a apontar à direita, apresenta motivos para desconfiança. Mas começo pelo que parece positivo.
Um dos problemas históricos do PSD este século foi precisamente a renovação. O que sobrou dos “barões” dos Vinte Anos Dourados (1974-1995), em que o partido ajudou a moldar — para o bem e para o mal, mais para o mal, como agora se vê — o Portugal económico e social que temos, impediu todas as tentativas de renovação dentro da continuidade, tentadas nos anos seguintes. Santana Lopes, Marques Mendes e Luís Filipe Menezes foram eliminados como peões num jogo ainda dominado pelos cavalos, bispos e torres do antigamente.
Enquanto o PS fazia a sua renovação de tecido dirigente, o PSD assistia aos jogos florais dos seus influentes. Em 2008, o seu primeiro Momento da Verdade este século, os tecidos velhos do PSD ainda foram capazes de fazer eleger Ferreira Leite. Mas foi o seu último estertor. O destino do partido estava traçado como o de todos os organismos vivos: as células gastas cedem.
Sendo positivo o sinal de uma mudança geracional que metade do país eleitor há muito vinha pedindo ao PSD, o seu atraso teve um impacto forte na base eleitoral do partido. Traduzido no fraco resultado destas legislativas, em que o país, desconfiado, preferiu dar à direita a maioria para governar, mas com o conhecido e experiente Paulo Portas a servir de avalista e tutor.
Esse é um motivo de desconfiança. “Este” PSD é eleitoralmente mais pequeno que o anterior. E é, também, mais pequeno internamente: embora vencedora, a fação dos renovadores é amplamente minoritária dentro do partido e continuará a ser olhada com desconfiança. Esta saberá evidentemente calar-se e o seu nível de manifestação será, como é óbvio, inversamente proporcional aos erros que a direção de Passos cometer na dura governação exercida através de uma coligação politicamente errática.
Outro eventual motivo de desconfiança provém da modificação ideológica do PSD. O partido na verdade nunca conheceu grandes ideologias: da social-democracia que Sá Carneiro quis incutir no seu código genético até à costela social liberal herdada dos ativistas católicos e dos meninos-bem que Marcelo Caetano aproveitou para a sua “Primavera” (e que o combateram com a Comunição Social que controlaram, e com a qual viriam posteriormente a seduzir a pequena burguesia projetando a iconografia de uma sociedade de sonhos, abundância e propriedade), o Partido Social Democrata sempre se caracterizou por uma rarefeção ideológica suficientemente ampla para respaldar líderes que o conduzissem ao que importa: o poder.
Com Passos Coelho perde-se essa rarefação. O PSD assume — por inteiro e com gritado entusiasmo — a ideologia obediente: o liberalismo moderno, o braço político utilizado pela debtocracia para sujeitar as nações, originário dos Estados Unidos e em franca expansão pela União Europeia.
Em Português Simples: o PSD renovou-se e ideologizou-se ao mesmo tempo.
Parte do problema reside no facto da ideologia ora perfilhada ser contra uma das práticas de sempre do aparelho partidário: a interdependência do Estado. Passos, Macedo e Relvas terão de combater Dom Quixotes internos lá mais para a frente.
Outro detalhe: minguado, este partido não conseguirá tão cedo voltar a governar sozinho, com os seus e com a sua visão cosmológica. Note-se a dificuldade de Passos em arranjar ministros — e isto mesmo depois de ter encurtado o número deles. A colaboração do CDS disfarça em parte. Mas a camuflagem está nos “independentes”. O que é apresentado como uma “vantagem”, com expressões de marketing político como “abertura à sociedade” ou “sinal para os mercados”, pode — e, na minha opinião, deve — ser visto como uma debilidade.
Devo dizer que esta debilidade tem duas faces. A primeira é sistémica e afeta hoje qualquer partido de governo. Demonstrada em recusas como a de Vítor Bento, resume-se a isto: pessoas válidas, com bons cargos bem pagos e com bons desafios, na plena posse das suas faculdades, não descerão ao patamar da res publica, onde serão mal pagos, vilipendiados, desprezados, insultados, maltratados e sujeitos em contínuo à degradante exibição circense de uma sociedade hiper-mediatizada — (como se não bastasse, há quem queira que possam ser condenados em tribunal sempre que o país não seja capaz de processar com resultados satisfatórios para a debtocracia as políticas que ponham em prática.)
Contudo, é a segunda face que importa neste contexto. A fação de Passos — ou, se quisermos, o PSD-R, geracionalmente renovado, at last — foi incapaz de produzir ministeriáveis suficientes por simples falta de quorum.
A estratégia desta direção parece ser a de incorporar o “sangue novo” a partir de fora. E como os movimentos tradicionais de abertura à sociedade durante a fase pré-eleitoral falharam sem explicação, recrutou independentes à força, fazendo as listas de deputados descaradamente de cima para baixo, esperando eventualmente que alguns dele acabem por assinar a ficha de inscrição e construir o Partido Social Democrata da próxima geração.
Como estratégia, é surpreendente. Talvez resulte: se, miraculosamente (um milagre consentido por Portas), o PSD conseguir boa nota com a governação, alguns dos descamisados políticos — patentes na super-manifestação ordeira de Março — poderão entusiasmar-se e aderir.
Como entrei em regime voluntário de boa vontade, termino por aqui.

Paulo Querido

Nenhum comentário:

Postar um comentário